Seres diminutos, enorme flagelo
Os vírus demoraram a ser descobertos e conhecidos, de tão
diminutos. Há algumas décadas, esses seres sequer podiam ser visualizados,
mesmo pelos microscópios mais potentes. Eles eram considerados por muitos
cientistas como partículas inanimadas incapazes de realizar um dos atributos
básicos da vida: a capacidade de se reproduzir de forma independente.
Entretanto, os aspectos da biologia e da evolução desses
seres, aliados as estratégias que eles utilizam para subverter os mecanismos de
defesa de nosso corpo são alguns dos temas mais fascinantes da biologia
moderna. Além disso, algumas das doenças causadas por esses agentes infecciosos
– as chamadas viroses emergentes – representam uma fonte de enorme inquietação
para a medicina atual.
Em latim, a palavra vírus significa veneno. Antes da
primeira visualização desses agentes infecciosos, acreditava-se que as doenças
transmitidas por eles, conhecidas como viroses, eram causadas por venenos
provenientes de algum ser vivo. Dessa forma, tentava-se dar uma explicação
convincente para a incapacidade que se tinha na época de visualizar os vírus. A
hipótese explicaria ainda o fato de certas doenças continuarem a ser
transmitidas mesmo quando fluidos provenientes de doentes eram passados através
de filtros de porcelana com poros capazes de reter bactérias, os menores
organismos conhecidos na época.
Cada partícula viral, também conhecida como vírion, alcança,
em média, apenas algumas dezenas de nanômetros (a bilionésima parte de um
metro) e é de constituição simples. Os vírions são formados por apenas uma
molécula de acido nucléico – que pode ser o DNA ou o RNA, mas nunca ambos – e
por um envoltório protéico denominado capsídeo. Sob esse envoltório pode ainda
estar presente um revestimento lipídico adquirido a partir da membrana
plasmática da célula parasitada.
Em sua forma extracelular, os vírions podem permanecer
inertes por dezenas ou mesmo centenas de anos. A simplicidade e elegância
estrutural, associadas a uma elevada capacidade reprodutiva baseada em uma
série de truques engenhosos voltados para ludibriar as defesas imunes e
intracelulares, fazem com que os vírus se convertam em agentes infecciosos
tremendamente eficientes.
Invasão e reprodução
Quando os vírus entram em contato com suas células
hospedeiras, eles perfuram a membrana plasmática celular e introduzem seu ácido
nucléico no citoplasma destas. Se, nessa fase, eles conseguirem superar as
defesas internas da célula, a maquinaria celular será direcionada para produzir
novos vírions que, após montados, serão liberados no meio extracelular levando
consigo parte da membrana plasmática da célula hospedeira ou causando sua
ruptura (ciclo lítico).
Dessa forma, as células têm seu metabolismo “escravizado” e
deixam de produzir as moléculas necessárias para a sua sobrevivência,
dedicando-se apenas à produção de novos vírions. Em algumas ocasiões, contudo,
o ácido nucléico viral poderá ser incorporado ao genoma da célula parasitada e
ali permanecer de forma silenciosa, multiplicando-se juntamente com a sua
hospedeira (ciclo lisogênico) até que condições favoráveis sejam alcançadas e
novos vírions possam ser produzidos.
Contudo, em alguns casos, a transição entre os ciclos
lisogênico e lítico jamais ocorre e o material genético dos vírions permanece
incorporado de forma permanente ao genoma da célula parasitada. Genes de origem
viral têm sido encontrados em todos os organismos vivos e acredita-se que a
presença de alguns desses pode ser benéfica para seus portadores. Nos seres
humanos, por exemplo, crê-se que o gene da ptialina, uma enzima salivar
relacionada com a digestão de carboidratos, seja regulado por uma seqüência
gênica de origem viral.
Durante a sua reprodução e subseqüente deslocamento de uma
célula para outra, os vírions podem também levar consigo trechos do DNA das
células parasitadas, contribuindo assim para um aumento da diversidade genética
dos organismos hospedeiros.
Devido às suas características únicas, esses seres são hoje
importante instrumento biotecnológico empregado para a introdução de genes em células. Para isso,
essa metodologia emprega a capacidade dos vírions de infectar apenas um tipo
celular exclusivo após reconhecerem receptores específicos na membrana
plasmática.
Dessa forma, esses agentes infecciosos podem se constituir
no futuro em importantes aliados da terapia genética associada com o combate de
doenças humanas como a artrite, o lúpus e o câncer. Pesquisas têm, por exemplo,
empregado o vírus do herpes simples para que células tumorais sejam
sensibilizadas e respondam de forma melhor ao tratamento com drogas
anticarcinogênicas. Para que isso ocorra, genes associados com a reprodução do
vírus foram substituídos por genes que ativam drogas tóxicas para as células do
tumor.
Viroses emergentes
Contudo, tradicionalmente, os vírus estão associados com
muitas enfermidades humanas como gripe, sarampo, hepatite, herpes, rubéola,
varíola, febre amarela, caxumba e poliomielite. Além delas, há alguns anos
outras doenças têm preocupado as autoridades sanitárias de todo o mundo: são as
viroses emergentes, causadas por vírus que surgem como importante problema de
saúde.
Um dos exemplos clássicos dessas viroses emergentes é a
infecção pelo vírus HIV – a Aids –,atualmente disseminada por toda a humanidade
e talvez uma das enfermidades humanas mais estudadas atualmente. Outras viroses
emergentes que causam especial preocupação são aquelas associadas com as febres
hemorrágicas. Isso se deve a seu caráter comumente letal e a sua capacidade de
disseminação. Entre elas podemos citar a hantavirose e a febre hemorrágica
causada pelo vírus Ebola.
As hantaviroses são enfermidades agudas que podem se
apresentar sob a forma de febre hemorrágica com síndrome renal ou pulmonar. A
doença é transmitida de forma sazonal por aerossóis disseminados pela urina de
roedores silvestres portadores do vírus. Casos de hantavirose têm sido
relatados em estados como Minas Gerais, Goiás e São Paulo, levando à morte
cerca de 5% dos pacientes.
Já o vírus Ebola foi isolado em 1976, após uma epidemia de
febre hemorrágica em vilas do noroeste do Zaire (África), próximo ao rio Ebola.
Esse vírus está associado com um quadro de febre hemorrágica extremamente
letal, que acomete as células hepáticas e o sistema retículo-endotelial. Até o
presente, quatro epidemias de febre hemorrágica causadas pelo vírus Ebola
ocorreram no Zaire e no Sudão, afetando mais de 500 pessoas com um índice de
mortalidade de mais de 60%.
SARS
Outra virose emergente que andou ocupando a
primeira página dos jornais e os noticiários da TV é a SARS (sigla em inglês
para síndrome respiratória aguda grave). Essa doença é causada por um
coronavírus e foi descoberta inicialmente em novembro de 2002 na província
Guangdong, no sul da China. A SARS propagou-se por diversos países, vitimando
cerca de 780 pessoas.
Apesar da taxa de mortalidade ser de 9,6%, similar à da
febre amarela, por exemplo, a SARS por ser transmitida diretamente de um
indivíduo para outro, representa um risco maior para a saúde mundial do que
infecções transmitidas por vetores e restritas a certas regiões de nosso
planeta. Alem disso, como os sintomas da SARS são bastante similares aos da
gripe, essa virose pode ser confundida com um simples resfriado.
Devido aos enormes riscos associados com o seu contágio, a
Organização Mundial da Saúde lançou em novembro de 2003 um alerta mundial e
tomou medidas para frear a sua disseminação. Essas medidas têm se mostrado
eficientes e, apesar de casos terem sido registrados em dezenas de países,
atualmente essa virose está sob controle.
Outra virose, foco de imensa preocupação para o sistema de
saúde brasileiro, é a dengue. Essa doença é causada por quatro tipos
imunológicos similares de arbovírus da família dos flavivírus que têm se
disseminado pelas zonas urbanas do Brasil devido à proliferação de criadouros
de seus vetores, os pernilongos Aedes aegypti (e raramente Aedes albopictus).
O termo dengue deriva-se da expressão ki dengu pepo , do
dialeto africano swahili, que descreve os ataques causados por maus espíritos e
foi inicialmente empregado para designar a enfermidade que acometeu alguns
ingleses em uma epidemia nas Índias Ocidentais Espanholas em 1927-1928.
Acredita-se que a dengue tenha sido trazida para o continente americano pelos
colonizadores europeus, mas não é possível afirmar que as epidemias foram
causadas pelos vírus da dengue, pois seus sintomas são similares aos de
infecções como a febre amarela.
Atualmente, a dengue é a arbovirose mais comum que atinge o
homem, sendo responsável por cerca de 100 milhões de casos por ano e colocando
em risco, talvez, uma população de 2,5 a 3 bilhões de pessoas. A dengue
hemorrágica e a síndrome de choque da dengue atingem pelo menos 500 mil pessoas
por ano e são responsáveis por taxa de mortalidade de até 10% para pacientes
hospitalizados e 30% para pacientes não tratados.
A dengue e as outras viroses emergentes são fruto do
desequilíbrio ambiental associado com a ausência de vontade política para se
promover medidas de saneamento básico e controle de poluição. Enquanto nossos
políticos estiverem mais interessados em se autopromover em vez de se preocupar
com a saúde da população, estaremos à mercê de flagelos como as viroses
emergentes.
AUTORA DA POSTAGEM: Danielly Xavier